Decisão é a primeira a responsabilizar ex-administradores de fundos de previdência por investimentos malsucedidos e pode ser replicada em outros casos, dizem especialistas.
Cerca de 36 mil participantes do fundo de previdência da Rede Ferroviária de Seguridade Social (Refer), que reúne diversas empresas do setor, como a Rio Trilhos, podem começar a reaver parte do prejuízo de R$ 2 bilhões que o fundo sofreu após investimentos malsucedidos nos últimos anos.
Mas, diferentemente de decisões anteriores envolvendo outros fundos de pensão, a Justiça, desta vez, determinou o bloqueio de bens de ex-gestores que participaram da aplicação dos recursos dos participantes da Refer em projetos diversos, como na área de energia.
É o primeiro fundo de pensão no Brasil a conseguir o bloqueio de bens e ativos de ex-administradores. Para especialistas, a decisão pode abrir uma nova fase para que as pessoas possam reaver parte de suas contribuições.
Atualmente, em diversos fundos de pensão, como a Petros, os participantes estão sendo obrigados a voltar a contribuir.
No caso da Refer, a liminar foi concedida pela 15ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio e envolve oito ex-diretores, gerentes e administradores da fundação que participaram da tomada de decisão de investimentos entre 2009 e 2015. Hoje, eles estão na mira da Justiça, suspeitos de gestão fraudulenta e temerária.
Para o advogado Bernardo Anastasia, a sentença pode provocar um impacto profundo no mercado e encorajar que os demais fundos de pensão que também sofreram com a má gestão de administrações anteriores tomem a mesma atitude:
— A vitória da Refer vai gerar responsabilidade pessoal de todos os demais diretores de fundos de pensão que sofreram prejuízos históricos. A partir dessa decisão, eles podem vir a ser responsabilizados por omissão — avalia Anastasia, do Antonelli Advogados, escritório responsável pelo caso.
Ao todo, a liminar concedida pela Justiça prevê o arresto cautelar das contas bancárias e demais ativos financeiros e imobiliários, bem como a entrega das últimas cinco declarações de imposto de renda deles.
A atual gestão da Refer vem fazendo um pente-fino nas contas do fundo de forma a reaver parte dos R$ 2 bilhões de perdas que foram calculados até agora pela atual gestão.
Laudo feito por empresa de decoração
A Refer também já foi alvo da Polícia Federal, durante uma operação que investiga a suspeita de gestão fraudulenta em ao menos 11 investimentos malsucedidos entre 2009 e 2016.
Essas investigações contaram com o Ministério Público Federal e a Superintendência Nacional de Previdência Complementar do Ministério da Fazenda (Previc).
— Em um mesmo ano, o ativo estava classificado em R$ 1,2 bilhão no primeiro semestre e, no semestre seguinte, foi reclassificado para R$ 280 milhões. Estamos fazendo esta auditoria para estabelecer quem responde por isto — disse Anastasia.
Ele continua:
— Por que o laudo deste investimento tão vultuoso foi feito por uma empresa de informática e outra de decoração? Isto juridicamente não seria possível. Precisamos pôr o dedo nesta ferida.
Segundo Deivis Antunes, gerente jurídico da Refer, só a Previc fez 14 autuações na empresa envolvendo diversas áreas do fundo nos últimos anos.
Ele destaca que um investimento na área de energia (projetos em geração) foi o que gerou o maior volume de perdas e afetou também outros fundos como no Postalis, Funcef e Petros.
Hoje, o valor desse investimento feito pela Refer, se fosse atualizado, diz Antunes, seria de R$ 1 bilhão, valor que o fundo vai tentar recuperar.
— Além disso, há outros investimentos, que somam mais R$ 1 bilhão. É muita documentação. E, agora, estamos tentando interromper a prescrição e, com calma, buscar bens e patrimônios, fazer a ação com segurança e evitar prejuízo para os participantes — afirmou Antunes.
O escritório Juruena & Associados, que representa os reús, informou que, por decisão judicial, o processo tramita em segredo de justiça e não pode tecer comentários sobre o caso.
O advogado Roberto Pagliuso Advogados, da Pagliuso Advogados, destacou que a decisão judicial envolvendo a Refer dá conforto aos contribuintes e gera uma sinalização positiva envolvendo os outros fundos de pensão que também sofreram com gestões omissas, fraudulentas e temerárias no passado.
— Não faz sentido que os gestores não sejam responsabilizados patrimonialmente por resultados desastrosos que tenham gerado. Por isso, essa decisão é positiva e privilegia a vítima. Os fundos de pensão têm sido alvo de esforços da polícia e da Justiça.