Por Wilson Antunes*
Não há quem questione que somos uma sociedade de consumo. Desde o começo do século 20, quando passamos a produzir mercadorias em grande volume, e de forma mais econômica, o consumo per capita só aumenta. Esse consumo tem por base a crescente demanda por produtos industrializados, que por sua vez precisam de matérias-primas a serem transportadas até as fábricas, que por sua vez necessitam depois transportar as mercadorias até os consumidores. Quase 90% de todo esse transporte de cargas é feito por via marítima, que é o meio mais econômico entre todos. No entanto, a grande maioria da população não mora na costa brasileira, o que leva à necessidade de enviar tais cargas para dentro do continente.
Se pensarmos nas 12 maiores economias do mundo (EUA, China, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Índia, Itália, Brasil, Canadá, Coreia do Sul e Rússia) em termos de extensão territorial, veremos que apenas seis desses países são os maiores do mundo (EUA, China, Índia, Brasil, Canadá e Rússia, nessa ordem) e responsáveis pelas maiores malhas ferroviárias (Rússia, China, EUA, Índia, Canadá e Brasil, respectivamente). Não à toa, o Brasil está na última posição, com modal ferroviário pouco acima de 20% – percentual muito baixo que, porém, representa uma fatia enorme do chamado “Custo Brasil”.
Agora vamos traduzir isso tudo em números. Um trem gasta aproximadamente 4 centavos de dólar em combustível para transportar uma tonelada de carga por quilômetro. Um avião gasta 121 centavos da moeda norte-americana para transportar a mesma tonelada por quilômetro. Ok. Você pode pensar: mas aviões são para transportar rapidamente itens de alto valor agregado, produtos industrializados. Correto. A comparação que deve ser feita, porém, deve ter por base o modelo rodoviário para transporte de cargas. Sendo assim, cada tonelada transportada por quilômetro gasta 20 centavos de dólar; ou seja: é cinco vezes mais caro. Além disso, o consumo de combustível fóssil poderia ser enormemente reduzido com mais ferrovias. Com apenas 5 litros de diesel, um trem pode transportar uma tonelada de carga por 750 quilômetros. E isso é muito fácil de explicar: trens têm muito menos fricção andando em trilhos do que os pneus dos caminhões. Claro, caminhões têm a vantagem de se deslocarem para qualquer lugar, enquanto um trem, logicamente, só poderá ir aonde há trilhos. Por outro lado, um trem precisa apenas de um maquinista para transportar composições enormes de vagões. No Brasil é comum termos composições de 300 ou mais vagões com quatro quilômetros de extensão. Uma pessoa levaria mais de uma hora para percorrer todo o trem de ponta a ponta. Então, imagine o tamanho.
Ao entrar em vigor através de Medida Provisória, o Brasil deu um importante passo para o crescimento sustentável do setor com o chamado Marco Ferroviário. Empresas privadas poderão ser responsáveis pelo investimento em malhas ferroviárias, assumindo os riscos das operações e, obviamente, todos os investimentos, que são sempre de longo prazo. Antes do Marco Ferroviário, o investimento era do governo federal, que “concedia” o uso das ferrovias, muitas vezes por licitação. Com a falta de recursos para investimento, a malha ferroviária tornou-se obsoleta e estagnada, sem uso, desperdiçando um potencial incrível para o desenvolvimento do país.
O Projeto de Lei do Marco Ferroviário acaba de ser aprovado no Senado e segue agora em trâmite na Câmara dos Deputados. Em pouco tempo já foram apresentados mais de 35 projetos, em um montante de mais de R$ 150 bilhões em investimentos. São mais de 11 mil quilômetros de novas malhas ferroviárias. E o ritmo de solicitações não para. É um avanço imensurável.
Mas o projeto poderia ser melhor. E vou explicar. Da forma como está escrito, o Marco Ferroviário não prevê uma malha NACIONAL, um planejamento real que una as ferrovias em prol da comunicação do transporte em todo o país, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, do Oiapoque ao Chuí, como costumamos dizer. Com essa falha, corremos o risco de termos uma grande quantidade de pequenas ferrovias que não se comunicam, e isso é muito ruim para o futuro e para as demandas que, por ora, sequer imaginamos possam vir a existir.
Outro ponto é o controle rígido na construção dessas ferrovias a fim de minimizar os riscos ambientais, a invasão de terras indígenas e qualquer tipo de degradação dos biomas por onde passarão as ferrovias. O projeto também é falho quanto à possibilidade de uma contrapartida para cada solicitação. Por exemplo, a viabilidade de transporte ferroviário também de passageiros, e não apenas de cargas, nos trechos desejados, seria uma contrapartida extremamente benéfica, contribuindo para a redução do tráfego de carros, a diminuição do uso de combustíveis fósseis e o desenvolvimento sustentável do País.
Ainda assim, penso que – mesmo com ajustes importantes a serem feitos –, o Marco Ferroviário é um grande avanço. O Brasil está acertando o passo ao abrir caminho às nossas ferrovias para um futuro mais competitivo, econômico e sustentável.
* Wilson Antunes é empresário e especialista em automação metro-ferroviária, com formação em Engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Os dados citados no artigo são da Allied Market Research.
Imagem de capa de Ricardo Botelho/MInfra – Governo Federal.