Painéis abordam inovação em rodas, trilhos e vagões, além de desafios estratégicos para o futuro do transporte ferroviário no Brasil.

O segundo dia do VIII Simpósio de Engenharia Ferroviária, no dia 15 de maio, destacou avanços tecnológicos, estudos técnicos aprofundados e debates sobre o futuro do setor no Brasil. As sessões cobriram temas essenciais como a complexa interação roda-trilho, a inspeção da via permanente, as inovações em vagões e os desafios estratégicos para a próxima década.

A agenda do dia teve início com o presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer), Vicente Abate. A temática “Panorama Ferroviário Brasileiro” norteou a apresentação de Vicente Abate, que mencionou o manifesto do setor contra a importação de produtos ferroviários chineses em defesa da indústria nacional. Vicente Abate frisou a atenção que o setor ferroviário tem recebido dos últimos governos e a importância de iniciativas como o Programa de Parcerias de Investimento (PPI) e o Pró-Trilhos para impulsionar projetos. Olhando para o futuro, mencionou a tecnologia de trens movidos a hidrogênio como uma nova fronteira que o Brasil deve experimentar, ressaltando que a indústria nacional já possui avanços nesse sentido. De acordo com ele, testes têm comprovado a eficiência energética dos vagões de carga atuais, mesmo os não tracionados.

Panorama Internacional e Desafios Futuros

Na oitava edição do Simpósio, a palestra internacional ficou por conta do professor de Engenharia Ferroviária no Institute of Railway Research da Universidade de Huddersfield (Reino Unido), João Pombo, que apresentou uma visão das áreas prioritárias de pesquisa ferroviária em seu país e em sua universidade. Ele destacou o foco em temas como tração e frenagem em baixa aderência, a interação pantógrafo-catenária e eletrificação, a manutenção inteligente com o uso de robôs para inspeção e a análise de dados com inteligência artificial para manutenção preditiva. João Pombo explanou sobre exemplos de projetos de homologação virtual de novas frotas e o desafio do projeto de desvios de catenária para trens de alta velocidade, além de mencionar os estudos de aerodinâmica para trens de carga em velocidades mais altas.

Sessão Roda-Trilho: da manufatura ao monitoramento

A primeira sessão de trabalhos do dia teve a mediação do Professor Dr. Alfredo Gay Neto e foi apresentada por Patrícia Mijone, da Amsted Maxion. “Estudo dimensional do Perfil AAR 2A friso largo de rodas ferroviárias produzidas em moldes de grafite” enfatizou que o perfil de rolamento da roda ferroviária é fundamental, pois governa a interação do contato roda trilho no campo e é responsável pela dinâmica do veículo ferroviário. “Eu vejo a possibilidade de se pensar sobre o perfil de pista bruta aqui no Brasil para aumentar a vida útil das rodas. Um controle dimensional rigoroso no processo de moldagem é essencial, podendo levar à rejeição da roda inadequada”, ponderou a pesquisadora.

Em seguida, Leandro Rocha Lopes e Lucas Fabrício Neves de Souza, ambos da VALE, apresentaram o trabalho “Gestão de Incerteza para Aferição e Monitoramento de Dados Via Medidor de Perfil Wayside”. Leandro Rocha Lopes abordou o surgimento inevitável de defeitos nas rodas e os fatores que levam à sua degradação. Ele discutiu a evolução das estratégias de manutenção, passando do corretivo para o preventivo, condicional e preditivo (PHM, RCM). O trabalho focou no monitoramento de dados de perfil. O desafio de trabalhar com medições e sua qualidade foi apontado como “o estado da arte da ferrovia 4.0”. Leandro Rocha Lopes detalhou a colaboração com a via permanente no compartilhamento de informações sobre a degradação das rodas. Ele reconheceu que medidores de perfil wayside enfrentam desafios e que o problema de variação de dados vai continuar ocorrendo para qualquer equipamento disponível no mercado atual.

Complementando a sessão, o Professor Dr. Alfredo Gay Neto apresentou o ambiente das cátedras, em especial a cátedra roda-trilho com a Vale. Ele ressaltou que a cátedra é uma relação ganha-ganha para a academia e para a empresa, gerando ações diretas de otimização e manutenção da ferrovia. Projetos desenvolvidos na cátedra incluem a avaliação da qualidade de trilhos, estudos de resistência ao desgaste, tratamentos térmicos para AMVs e soldas, e o desenvolvimento de um modelo de mecânica de contato roda-trilho.

Na sequência, representantes da RUMO, como patrocinadora, apresentaram as inovações da empresa em tecnologia aplicada à operação. A exposição abordou o desafio de operar em uma malha com alta saturação, listando os ganhos proporcionados por ferramentas digitais como o aplicativo “Chave na Mão Maquinista” para comunicação e convocação de pessoal, o detector de trilho quebrado (DPq) que contribuiu para a redução de acidentes e o otimizador de circulação Nitro MP, que permite planejar o tráfego de toda a malha com agilidade.

Sessão Via Permanente: Inspeção, Drenagem e Análise de Vagões

A sessão de trabalhos dedicada à “Via permanente” foi mediada pelo Professor Antônio Carlos Rodrigues Guimarães. O trabalho apresentado foi “Inspeção de trilhos soldados via ensaio não destrutivo magnético: resultados preliminares”. O estudo do Prof. Dr. Freddy Armando Franco Grijalba, baseado em um trabalho de mestrado na Unicamp, focou na detecção de defeitos em soldas por atrito e alumino térmicas. Grijalba expôs o processo de ensaio magnético e como ele pode diferenciar amostras soldadas com diferentes parâmetros. O tempo rápido de execução do ensaio foi destacado como um diferencial para potencial aplicação em linhas de produção e em vias. A técnica foi apontada pelo pesquisador como relevante na avaliação do impacto dos parâmetros de soldagem nas tensões residuais e para validar tecnologias de alívio de tensões.

Sessão Vagões: pesquisa e inovação a serviço da indústria

A sessão de trabalhos dedicada aos vagões teve a apresentação do Professor Dr. Paulo Roberto Gardel Kurka, coordenador da cátedra de vagões na Unicamp. O professor detalhou sete projetos em andamento, incluindo estudos de análise de frenagem com modelos dinâmicos, adaptação de carros de passageiros para linhas de carga, otimização de sistemas de drenagem para vagões gôndola (com proposta de solução inovadora), modelagem estrutural do aparelho de choque e tração, análise de dados de vagões instrumentados com uso de inteligência artificial, estudo de defeitos superficiais em aços de rodas, e análise da estrutura fundida do aparelho de choque e tração. Ele concluiu que a interação universidade-indústria na cátedra permite à indústria direcionar as necessidades e à academia explorar novas possibilidades de pesquisa no Brasil.

A última sessão de trabalhos do Simpósio foi dedicada aos Veículos Ferroviários e foi mediada pelo Prof. Dr. Guilherme Fabiano Mendonça dos Santos, com apresentação de dois trabalhos. Matheus Lima Silva, da GBMX, e Ricardo Almeida Carvalho, da VLI, apresentaram o estudo “Influência da altura do centro de gravidade na segurança operacional de vagões graneleiros de bitola métrica”. Ricardo Almeida Carvalho, que trabalha em engenharia de vagões na VLI, contextualizou o trabalho na norma brasileira NBR 12.210, que define o limite atual para a altura do centro de gravidade (CG) de vagões de bitola métrica. O estudo utilizou dados reais de via de bitola métrica da VLI, Rumo e Vale, totalizando “202,7 km” de trechos críticos para simulação. A avaliação comparou a resposta dinâmica dos vagões com os limites de carga vertical e relação L/V estabelecidos.

O segundo trabalho sobre Veículos Ferroviários, “Avaliação da percolação de água por vibração induzida em minério de ferro saturado”, foi conduzido pelo Prof. Dr. Felipe Bertelli, da UNISANTA/UNIFESP. Este projeto, que começou em 2020 e envolveu mestres formados na área, foca na presença inerente de umidade no processo de transporte de minério e busca entender como a vibração influencia o escoamento da água em colunas de minério. O estudo faz parte de um projeto mais amplo e prático que envolve pesquisa com a indústria, alinhado com o modelo da cátedra.

A última palestra do evento abordou “Os desafios das ferrovias brasileiras 2025/2035”. O convidado para discutir o tema foi Paulo Roberto de Oliveira Junior, Diretor de Dados e Autorregulação da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF). Ele destacou que o Brasil já possui densidade de pesquisa nas universidades, indústria e operadores eficientes, mas enfrenta desafios como o alto custo de financiamento para os investimentos necessários. Paulo Roberto ressaltou a importância de uma maior colaboração dentro do setor e de uma melhor organização para aproveitar esses recursos e viabilizar pesquisas estruturantes que atendam às necessidades dos operadores. Ao término da palestra, o professor Aureliano Antunes dos Santos encerrou o VIII Simpósio, agradecendo a presença dos congressistas e anunciou da data do próximo evento, previsto para 13 e 14 de maio de 2026.

Sobre o Simpósio de Engenharia Ferroviária

Em 2017, pesquisadores de diversas universidades brasileiras envolvidos em projetos de pesquisa e desenvolvimento sobre a temática ferroviária se uniram para criar um evento de caráter eminentemente técnico, no qual os resultados das pesquisas em parceria pudessem ser apresentados.

Foi assim que nasceu o Simpósio de Engenharia Ferroviário (SEF) – que é promovido pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), pelo Instituto Federal de São Paulo (IFSP), pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), pela Universidade Santa Cecília (UNISANTA), pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pela Escola Politécnica da USP e pelo Instituto Militar de Engenharia (IME).   Em sua oitava edição (2025), contou com mais de 250 inscritos, que permitiram a troca de informações entre as empresas do setor ferroviário e academia, contribuindo para o desenvolvimento do setor no país.

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