Sparta, Garín, Hedge e Garde estão entre as gestoras locais com multimercados que se valem do universo das commodities para as estratégias de investimento
Nas últimas semanas, a atenção dos investidores se voltou quase que unicamente para a forte queda das ações das grandes empresas americanas de tecnologia, protagonistas da recuperação vigorosa dos mercados desde abril.
Embora estejam longe de ser carta fora do baralho, as “big techs” dos EUA são as principais responsáveis pela queda de 5,2% do S&P 500, e de quase 7% do Nasdaq em setembro, até o dia 22, e não têm, neste momento, o mesmo apelo de pouco tempo atrás. Com isso, gestores começam a voltar seus olhares para oportunidades na “velha economia”, representadas por investimentos no setor de commodities.
A recuperação econômica chinesa à frente de todas as outras faz com que ativos como petróleo, metais e grãos agrícolas sejam tema cada vez mais recorrente nas rodas de conversas (virtuais) entre investidores. Principalmente no exterior, mas também no Brasil, até pelo potencial do país no setor.
Na indústria local, contudo, ainda são poucos os multimercados que investem diretamente nas matérias-primas. Um dos poucos é o Garín Cíclico Long Bias, que tem flexibilidade para aplicar em commodities como ouro, cobre, petróleo e proteínas, por meio das bolsas do Brasil, dos EUA ou da Europa.
Os investimentos são feitos via ações, títulos de dívida, ETFs (fundos que replicam índices) ou derivativos, com apostas direcionais ou de valor relativo, explica Paschoal Paione, gestor da Garín.
Com um histórico ainda restrito, dado o lançamento em fevereiro de 2020, o fundo sobe cerca de 5,7% no ano, contra uma queda de 14,5% do Ibovespa no mesmo intervalo. A aposta na alta do minério de ferro contribui para o desempenho, em meio ao reaquecimento econômico chinês por meio de grandes projetos de infraestrutura, diz Paione.
Investimentos em frigoríficos, diante da demanda elevada por conta da febre suína africana, e no ouro também contribuíram para o resultado do Garín Cíclico, que até o início do ano era um fundo de ações tradicional, sem viés voltado para commodities, e foi transformado em long bias em fevereiro, com a chegada do gestor na casa.
Após capturar ao longo do primeiro semestre os ganhos da retomada do setor de infraestrutura da China, por meio de apostas no minério de ferro com ações da Vale ou derivativos negociados na bolsa de Londres, Paione acredita que os preços estão esticados no nível atual e sujeitos a uma reversão de tendência.
A própria Vale, diz, deve contribuir para a queda do preço global do minério de ferro nos próximos meses, pelo aumento de volume de produção esperado.
Quando isso acontecer, o gestor afirma que uma boa posição de valor relativo poderá ser com uma aposta comprada (que prevê a alta) nas ações da Vale, diante do momento positivo de retomada da empresa, e vendida (com aposta na queda) no contrato atrelado ao minério de ferro.
Paione aponta ainda o cobre como um ativo na carteira que tem despertado crescente interesse, e que assim como os principais metais, tem os contratos de maior liquidez negociados na bolsa de Londres.
Após o aquecimento da infraestrutura provocado pela China, o gestor se volta agora para a retomada manufatureira, da produção automobilística e imobiliária, que fazem uso intensivo do cobre. Automóveis elétricos devem aumentar ainda mais a demanda global pela commodity, complementa.
Preços descontados em Bolsa:
Um dos mais antigos multimercados da indústria local que têm o tema das commodities como norte para a composição do portfólio é o Sparta Cíclico. O fundo começou em 2005 com uma exposição preponderante em derivativos referenciados nos produtos agrícolas, mas, desde meados do ano passado, a maior parte da carteira é voltada para ações com alguma relação com o setor, diz Victor Nehmi, fundador da Sparta.
Segundo o gestor, com a popularização nos últimos anos dos fundos quantitativos, que fazem operações de alta frequência, a volatilidade dos contratos futuros atrelados às commodities passou a ficar bem acima da habitual, o que motivou a mudança do portfólio, já que os movimentos não eram mais determinados somente pelos fundamentos.
Em 2019, o fundo registrou valorização de 8,4%, após perdas nos dois anos anteriores: de 10,1%, em 2018, e de 4,5%, em 2017. Em 2020, o fundo recua 7,7%, até 22 de setembro, contra uma queda de 15,8% do Ibovespa, segundo dados da Economatica.
O fundo da Sparta tem hoje a exposição majoritária, próxima de 70%, em ações que se beneficiam das commodities, como CCR, Randon, Klabin e São Martinho.
“O mercado financeiro não acompanha com atenção a dinâmica do agronegócio”, assinala Nehmi, que, assim como o gestor da Garín, enxerga na retomada do gigante chinês um atestado de crescimento para o setor.
A safra recorde de grãos esperada para o Brasil em 2020, diz o especialista, já aumentou o transporte nas rodovias, motivo pelo qual carrega no portfólio ações da concessionária de rodovias CCR e da fabricante de peças para caminhões Randon.
Nehmi cita ainda a produtora de celulose Klabin, beneficiada pelo aumento exponencial dos serviços de entregas em domicílio, que fizeram explodir a demanda por embalagens, como outra ação com alto potencial de valorização.
Além dos papéis, o Sparta Cíclico mantém 10% da carteira em caixa para fazer frente aos saques – o prazo de resgate é D+3 –, com os outros 20% alocados em derivativos atrelados a commodities como o petróleo, negociados na bolsa de Chicago.
O ouro negro, explica o gestor, corresponde à cerca de metade do custo de produção de praticamente todas as commodities relevantes do mercado, e, por isso, a alocação serve para garantir que eventuais flutuações bruscas sejam amortecidas.
Diversificação do portfólio:
Além dos dois multimercados em que as commodities são o tema central da estratégia, existem aqueles que reservam um espaço do portfólio para o segmento, como o da Hedge Investments, e, mais recentemente, da Garde, com investimentos em derivativos ou títulos agrícolas.
Na Garde, o ineditismo do patamar dos juros brasileiros, que força a diversificação não apenas por parte dos investidores, mas também dos gestores, fez a casa contratar em abril o especialista Lucas Brunetti, para acrescentar gradualmente aos multimercados da casa o “book” de commodities.
Ao menos em um primeiro momento, estarão no radar as principais commodities do mercado, como petróleo, ouro e cobre, além dos grãos agrícolas, e seus respectivos derivativos na Bolsa brasileira e dos EUA.
Enquanto a soja e o milho já retomaram patamares pré-pandemia, no caso do petróleo, em que a mobilidade de veículos foi brutalmente reduzida pelo coronavírus, as perspectivas seguem bastante incertas, diz Brunetti.
A cotação do barril, recorda, iniciou o ano ao redor de US$ 60, chegou a cair para US$ 15 pelo coronavírus e pela disputa comercial entre árabes e russos, e oscila atualmente perto de US$ 40, patamar que o gestor acredita que deve se manter relativamente estável.
Em relação ao ouro, o gestor da Garde entende que, apesar da expressiva valorização, de aproximadamente 60% em 2020, ainda há valor em carregar o metal precioso no portfólio.
Com as economias bastante fragilizadas pela Covid-19, os juros seguirão baixos por muito tempo e, à medida que a inflação comece aos poucos a subir, espremendo ainda mais o ganho real da renda fixa, a tendência histórica aponta para uma apreciação do ouro, afirma o especialista.
Capital de giro aos agricultores:
A Hedge Investment, por sua vez, é conhecida no mercado pela atuação com fundos imobiliários, mas tem também na grade um multimercado com uma fatia de 15% a 20% em commodities.
Pressionado pela parcela de renda variável, que engloba a carteira de ações e de fundos imobiliários, o multimercado recua cerca de 13% no ano, até 22 de setembro.
Já as estratégias de commodities, que incluem contratos futuros de boi gordo e de café, e operações estruturadas com títulos agrícolas, estão próximas do zero a zero em 2020.
Segundo André Freitas, CEO da Hedge, o agronegócio tem peso majoritário entre as commodities do fundo, por meio de grãos como café, soja e açúcar, negociados via derivativos nas bolsas brasileira e americana, ou via títulos do segmento, como a Cédula de Produto Rural (CPR) e o Certificado de Depósito Agropecuário (CDA).
A sopa de letrinhas, explica Freitas, corresponde a papéis negociados em mercado de balcão, que permitem ao produtor rural ou às cooperativas anteciparem recursos para o plantio da lavoura, consistindo basicamente em uma promessa de entrega futura de produtos rurais.
Sem entrar em detalhes quanto às taxas dos títulos, o gestor diz que se referem a ativos de curto prazo com duração média entre seis e nove meses, que não dispõem de liquidez e são carregados até o vencimento.
Pelo ciclo da safra dos grãos, afirma o CEO da Hedge, as principais operações de títulos agrícolas no portfólio do multimercado estão atualmente em financiamentos de silos para estocagem do café, que encerrou recentemente a fase de colheita.
São operações consideradas mais conservadoras, já que não há o risco inerente ao plantio, do clima ou das pragas, afirma Freitas, que acrescenta ainda que, na virada do ano, se torna mais comum a demanda dos agricultores por empréstimos para financiar o plantio da próxima safra.